terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

A farsa de Inês Pereira

Inês Pereira , era uma rapariga com uma ambição desmedida de subir na vida .  Cansada da vida que levava , sempre a executar tarefas domésticas , Inês Pereira , vê o casamento como a sua única salvação. Na sua cabeça idealiza o companheiro perfeito : alguém que lhe possa dar uma vida feliz e sem preocupações .  A mãe tenta convencer Inês de que esta não se deve precipitar na decisão pois , estas coisas devem ser feita com calma . Dizendo-lhe que quando esta menos esperar eis que aparece um bom partido . 
É contada uma história de assédio a Lianor Vaz . Quando esta estava a caminho da casa de Inês , um rapaz quis agarrá-la . Lianor conta que a sua sorte foi ter aparecido um almocreve . Inês afirma que esta se devia ter defendido , tentando atingi-lo fisicamente . Lianor indignada , diz a Inês que não o poderia fazer . Pois , seria como cometer um pecado . E a sua penitencia seria a excomunhão ( expulsão da igreja ) .
Lionor Vaz diz haver alguém interessado em Inês : Pêro Marques . Inês deseja um marido com boas maneiras , até pode ser pobre . Ao menos tem de se saber comportar . Lianor entrega então uma carta de Pêro Marques a Inês . Nesse escrito , Pêro Marques expõe os seus sentimentos .
Inês ficou com má impressão do pretendente . Inês imaginou como este seria , para ela um reles , uma pessoa pobre sem bens materiais .  Decide mandar chamar Pêro Marques , somente com a intenção de se rir na sua cara . Assim o fez .
Lianor tenta avisar Inês , dizendo-lhe que esta pode ser uma oportunidade única . E que , o que sustenta uma relação , é o dinheiro e não o amor . O que realmente interessa é que este senhor tenha posses para dar a Inês uma vida descansada e feliz , não tendo esta que trabalhar para se sustentar , somente assumir os papéis de uma governanta da casa .
Realiza-se o encontro . Pêro Marques revela-se uma pessoa pouco interessante . Mostrando-se de um coração imenso  , Pêro Marques , leva oferendas provenientes das suas terras . Mas por erro , na altura em que as vai entregar , percebe que as havia perdido no caminho . Portanto , um mau começo .
Apesar de ter como sustentar Inês , Pêro não era do seu agrado . Aborrecida com a situação , Inês Pereira ,  pede-lhe que nunca mais a volte a visitar . Pêro demonstra sentir algo muito forte por Inês mas esta não hesita em repensar na sua atitude .  Um sentimento tão forte , causador de um presumível desgosto fatal . Pêro lamenta-se pela personalidade das mulheres , dizendo que a estas nada as satisfaz .
Espantada por uma enorme falta de saber estar por parte de uma pessoa , Inês, volta a repetir que prefere feio e pobre do que um homem sem maneiras .
Desesperada por  ver a filha não encontrar o marido que idealizava em sua cabeça , a mãe de Inês  , encarrega dois judeus de encontrar o marido ideal para Inês . Estes tentam encontrar alguém de uma boa classe social mas sem êxito . Depois de uma longa procura , os dois judeus encontram então , um escudeiro . Este de imediato mostrou-se interessado em Inês. Dois judeus donos de uma enorme esperteza ; retrataram Inês  como : “ a deusa da perfeição e a rainha de todas as virtudes . “
O escudeiro planeia com o seu vassalo , mentir sobre a sua condição social de forma a garantir o casamento .
Inês diz que não casa por influência de ninguém  , nem da sua própria mãe . Pois , é a sua vida que está em causa . Encantada pelo requinte do escudeiro , Inês pensa ter encontrado quem tanto procurava . Ficou então , noiva do escudeiro . Rapidamente começaram os preparativos para a cerimónia : o casamento . A mãe de Inês concede-lhe a sua casa para estes morarem e parte .
A pouca liberdade que Inês possuía é-lhe retirada pelo marido : o escudeiro . Esta além de não deixar    de ser o que tanto lhe custava , passa a ser somente propriedade do marido e é este quem define as regras . A ele Inês deve obediência . O escudeiro queria precaver-se para nada nem ninguém tirar Inês dos seus braços . O escudeiro não tinha dinheiro para se sustentar .
Inês Pereira vivia como “ prisioneira “ dentro da sua própria casa . O seu marido parte para combater e esta fica a ser vigiada pelo seu “ capataz “ .
Inês vive um tormento  . Deseja ficar viúva , pois , seria a única forma de acordar deste enorme pesadelo que se haveria tornado a sua vida .
O escudeiro morre em combate . Lianor aconselha Inês a casar-se novamente . Apesar de Inês estar aliviada por o seu pesadelo ter findado , lamenta o sucedido . Pois , apesar de tudo , da forma como o escudeiro tratava Inês , este era dono de muitas virtudes , as quais o destacavam da maioria dos comuns ,
Inês acaba por ficar prometida a casamento a  Pêro , o que anteriormente tinha rejeitado . Agora este ,  por herança , tinha-se tornando homem de algumas posses , podemos chamar-lhe de “ camponês rico . “
Ao contrário do escudeiro , Pêro Marques não quer controlar a vida de Inês . Apenas deseja que esta seja feliz .
Um pobre ermitão vai pedir esmola e consegue comover Inês.  Faz-se passar por um falso padre . Inês reconhece-o .Pois , tinha sido um seu antigo namorado . Este afirma estar naquele estado devido ao desgosto amoroso que Inês lhe causou . Inês e o ermitão combinam então um encontro , designando o local como a ermida . Inês consegue  convencer o marido a levá-la à ermida , mostrando-se devota . Na verdade , o seu objetivo era encontrar-se com o falso padre . Com receio de atravessar um obstáculo : o rio , Inês , pede ao seu marido que a leve às costas .  No caminho Inês canta uma  canção . Esta canção alude à sua infidelidade com o marido e a ingenuidade deste por não se aperceber da situação . Pêro acaba por terminar o refrão da canção , não tendo noção que se estava a comportar como um marido enganado .

Conclusão :
E parece que Inês não aprendeu a lição . Primariamente , foi mal tratada por o seu marido , parecia mostrar-se arrependida mas na verdade era uma farsa .
Pêro tinha tudo para a fazer feliz . Inês, apenas não soube dar valor .
Gil Vicente , mostra-se uma pessoa muito atenta à realidade . Esta cena alude a histórias verídicas do nosso dia a dia.
Será que Pêro não percebeu ou não quis perceber ?



Esta peça visa criticar a sociedade do tempo de Gil Vicente , nomeadamente os seus vícios . Gil Vicente consegue isto através do recurso à ironia, ao facto de ter criado personagens tipo e também de ter recorrido ao uso do cómico.

Caracterização das personagens :

As personagens que figuram na peça são personagens tipo pois , estas representam uma classe social . Temos então a representação da moça casadoura , através de Inês ; O escudeiro fanfarrão, encarnado por o Escudeiro ; O labrador simplório, representado por Pêro Marques ; e por fim , a alcoviteira, representada por Lianor Vaz. 

Inês Pereira : através da descrição indirecta podemos concluir que Inês era uma donzela esbelta . Dona de uma grande ambição , sonhava subir na vida .
Exs.: " Parece moça de bem " 
         " Mui graciosa donzela " 
         " vossa fermosura " 



A mãe de Inês :  retrata a típica mãe . Aquela que quer sempre o melhor para a sua filha e que quer que esta seja um exemplo para as outras raparigas .  Também lhe quer garantir um bom Futuro .
Exs.: " Inês, guar'-te de rascão ! " ( evidencia a preocupação com a sua filha )
" que lhe tenhais muito amor " ( a mãe de Inês evidencia uma preocupação com o futuro estado da filha pois, a vida desta haveria tomado um novo rumo )

Lianor : casamenteira e interesseira.  Uma mulher independente, apenas lhe convinha a sua opinião.
Exs.: " Eu vos trago um casamento "  ( casamenteira )
         " Eu vos trago um bom marido " ( casamenteira ) 



Pêro Marques : apesar de possuir inúmeros bens , assume-se como um camponês ingénuo , sem boas maneiras de estar .
Exs.:“  rico, honrado “
       “ eu em meu siso estou “ 
       “ João das bestas homem de bom recado “

Escudeiro ( Brás da Mata ) :  Esta personagem representa a nobreza falida . Gostava de se enaltecer, quando na verdade nem tinha dinheiro para se sustentar. Mostra-se , ainda , uma pessoa de boas maneiras .  Controlador , no caso da sua esposa . Uma pessoa que conseguia dominar os mais fracos , como por exemplo , o seu domínio total sobre o moço , seu criado . Pois , este acredita em tudo o que o seu patrão lhe conta. O escudeiro revela-se portanto , uma pessoa bastante convincente .  .
 Exs.:
          “ Homem que não tem nem preto “ ( expõe a sua situação económica )
           " E se me vires mentir / gabando-me de privado " ( mostra que o escudeiro queria manter intacta a sua imagem , contrária ao que realmente era ) 
             " faze-o por amor de mi " - Mentir sobre a sua situação económica .  ( o escudeiro sabendo que o seu criado era fiel e que sendo uma pessoa honesta numa o iria trair , convencia-o com simples palavras )
          “ um homem avisado “ ( bem formado em termos de educação )
           " homem de descrição " ( sabe como se comportar )
          “ Estareis aqui encerrada/nesta casa, tão fechada/ como freira de Odivelas “ ( controlo do escudeiro sobre Inês , agora sua mulher )
           
        

Latão e Vidal ( os dois judeus ) : Mostram-se como dois Judeus espertos e hábeis no comércio .
 " Nunca vi judeus ferreiros aturar tão bem a frágoa " ( a mãe de Inês mostra-se satisfeita com o bom trabalho por eles realizado )

Moço : revela-se como sendo uma pessoa humilde . Porém , influenciável . Pois , acredita nas mentiras que o seu patrão ( o escudeiro ) lhe conta . Assim o escudeiro consegue-o explorar .


Ermitão : um falso padre . Representa a decadência de valores morais por parte de membros eclesiásticos . Por exemplo, aceita um encontro amoroso com Inês , mesmo sendo contra os seus princípios como membro do clero. 





Tempo da ação: não há indicação do tempo em que decorre a ação. Devido à sequência das cenas constituintes na peça, não é possível termos uma ideia de tempo, o tempo decorrido de espaçamento entre cenas. Exceto numa cena. Vicente apenas menciona nesta obra um tempo exato: aquando da morte do Escudeiro. O escudeiro terá partido para combate e terá sido fatalmente atingido. A sua esposa, Inês Pereira, agora viúva, só toma conhecimento disto três meses depois. Pois, todas as cenas aparecem encadeadas, formando um todo coeso.



Espaço da ação: A maior parte das cenas é passada num lugar específico: a casa da mãe de Inês. Que Inês terá herdado após o seu matrimónio. No decorrer da ação a casa de Inês torna-se um local de passagem de todas as personagens.



Explicando o provérbio que serve de introdução á cena : “ Mais vale asno que me leve que cavalo que me derrube. “
O  cavalo  simboliza  o primeiro marido de Inês, o Escudeiro .  Este com sua agressividade e autoritarismo acaba por derrubá-la . Pois , mostra-se muito diferente do que aparentava ser . Ou seja Inês ao tornar-se mulher do Escudeiro tornou-se dependente deste então , era este quem definia as regras. Proibiu-a de qualquer tipo de liberdade.  Pêro Marques é o asno que a leva e faz todas as suas vontades.


Tipos de cómico apresentados na peça :
   Cómico de carácter: Como por exemplo, a personalidade de Pêro Marques (quando este no primeiro encontro com Inês se atrapalha perante ela e a sua mãe , mostrando-se um camponês bronco e tolo) .  Outro exemplo, é a posição que escudeiro mantém sempre. Este quer aparentar ser o que não é , mostrando uma luxúria ilusória. Apesar de ser pobre e cobarde mantém o seu discurso sempre com muita elegância, fingido que está tudo bem em suas vidas para isto recorre a toque de instrumentos e ao cante. Tenta revelar-se valente , não tendo fraquezas e misérias.

·        Cómico de situação: Por exemplo , quando Pêro Marques , no encontro com Inês , se senta na cadeira de costas para Inês e sua mãe . No diálogo entre os dois judeus , encarregues de encontrar o marido idealizado por Inês. Estes ansiosos por realizarem o casamento de Inês com o Escudeiro atrapalham-se a conversar: interrompem-se um ao outro e repetem coisas já ditas anteriormente, mostrando um certo nervosismo.
No último ato , no desfecho da cena , quando Pêro Marques , agora marido de Inês a transporta em suas costas e ingénuo acaba por terminar o refrão de uma canção que contém o que a sua mulher ( Inês ) anda a fazer. Este mostra-se ingénuo por não perceber .

    Cómico de linguagem: Por exemplo , na cena em que Pêro Marques visita Inês no desejo de realizar um bom casamento e , o seu discurso contém termos e expressões de um simples camponês , de um homem pouco instruído.
Também, na cena em que os dois Judeus ansiosos por unir matrimónio entre Inês  e o Escudeiro, tentam convencer ambos de que esta é uma boa oportunidade e acabam por se atrapalhar na conversa ; havendo , um discurso repetitivo pois , estes encontravam-se nervosos e também longo.

Também , podemos encontrar o cómico de linguagem quando Inês diz : “  Ei-lo se vem penteado/ será com um ancinho ? “ Inês “goza” com a forma de ser de Pêro . Também , na ironia do moço ( vassalo do escudeiro ) revela através da ironia a verdadeira condição social do seu patrão , evidenciando-o nada mais , nada menos que um pelintra.  E ainda ,diálogo entre Pêro e a mãe de Inês , quando Pêro Marques diz que seu é o “ mor gado “ e , a mãe de Inês entende que este seja morgado. Não sendo este herdeiro de todos os bens por ser o irmão mais velho mas sim , quem tratava de animais , era disto que ganhava o seu sustento. 

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