O retrato feminino é um tema recorrente na poesia lírica de Camões, descrevendo o sujeito poético a mulher ora na sua configuração ideal ora na sua existência mais concreta.
O Renascentismo assenta em características como a harmonia e a perfeição, que perpassavam todas as artes, e o retrato da mulher ideal na pintura e na literatura – leia-se no modelo petrarquista – não é exceção. Este modelo define a mulher como possuidora de cabelos loiros, olhos verdes e faces rosadas. À perfeição física corresponde uma perfeição psicológica de modo que a mulher petrarquista apresenta um espírito calmo e representa uma mulher de poder superior, que exerce um domínio mágico («mágico veneno» in «Um mover d’ olhos brando e piadoso»), que cativa e submete o sujeito lírico.
No soneto «Ondados fios d’ouro» reluzente está claramente representado o ideal de beleza feminina para Camões, nas faces, nos olhos e na boca (“perlas e corais”), apresentando-se a mulher perfeita, angélica. Outro exemplo é o vilancete «Descalça vai pera fonte», que tanto retrata a mulher com essa perfeição física como também com a «graça» (“Que dá graça à fermosura») e a pureza na roupa branca para além da sensualidade simbolizada no encarnado.
Em contraste com este tipo de retrato, nas endechas «Aquela cativa que me tem cativo» o sujeito lírico descreve uma mulher espiritualmente em sintonia com o modelo petrarquista, mesmo que, fisicamente, Bárbara seja uma escrava de pele escura e olhos escuros, uma mulher mais exótica. Não podemos deixar de pensar numa presença feminina mais autêntica porque resulta da experiência do Poeta, no seu exílio noutras latitudes e longitudes.
Em suma, Camões soube conciliar as nossas tradições literárias, desde a donzela da cantiga de amigo, passando pela divinização da mulher, até ao modelo ideal feminino de Quinhentos.